Medo
Por Christina Ferraz Musse
Tenho medo. Às vezes, é um medo quase que imperceptível. Medo de criança. Medo de escuro. Não abro os olhos. Não quero ver os fantasmas. Outra vezes, é um medo imenso, sufocante. Medo que faz as pupilas dilatarem, a respiração ficar ofegante, o coração bater descompassado. Este medo, forte e implacável, convivo com ele há alguns anos. . E eu não sei quem é o inimigo. E isso me assusta, porque faz de mim refém dessa guerra particular
Quando eu era criança, meu medo era palpável, concreto, embora tivesse uma relação direta com sacis, mulas sem cabeça e, principalmente, muitas e insaciáveis almas penadas, sempre atentas, sempre à espreita. Tinha pavor de lugar escuro! Na fazenda, então, sair da cama para ir ao banheiro, à noite, era um desafio maior do que sair da trincheira para enfrentar o fogo aberto, na linha de front. Os parentes diziam: "Alma do outro mundo, isso não existe. Olha só o seu avô. Dia desses, alta noite, foi para o mato e desafiou todas as almas a aparecerem , ali, para ele, se é que elas existissem de verdade." Nenhuma alma se apresentou para o vovô. Até hoje, não sei se as almas existem ou não.
Perdi o medo do escuro. Agora, quero esbarrar com o espírito do vovô numa noite de lua, de céu cheio de estrelas. Fico torcendo para as almas existirem, para eu poder abraçar algumas delas...
Meu medo de hoje não tem cara. Ele me assalta quando menos espero. Ele me faz suar frio. Ele me angustia. É como se eu estivesse sendo encurralada. Como se eu não tivesse saída. Não é mais medo de quem já morreu. Acho, sim, que é medo de quem está vivo, bem vivo. Medo de não ser amada, de não ser aceita, de não ser aprovada, de não ser querida. Medo de perder a batalha, por não ser suficientemente esperta ou sabida. Medo de ser a última. Medo de ser omissa. Medo de não manipular as artimanhas da política e, aí, porque ficou acreditando na bondade alheia, acabar sendo, como tantas, a última a saber e, então, "perder o trem" da história e da vida.
Acho que, hoje, tenho mesmo medo das pessoas. Talvez porque tenha sido educada daquela maneira tradicional, católica, que diz que a solidariedade e o amor ao próximo estão acima de tudo. Aquela mania de ser "boa" ( uma conhecida diz que, entre "boa" e "boba", a diferença é apenas uma letra ), mas "ingênua". Tudo por deixar de dizer "não", deixar de impor limites, de expor minha opinião, de lutar sempre por um consenso que de fato não existe. Hoje, fazendo um balanço de vida, acho que não é tarde para aprender a resgatar a minha própria fala, antes que ela vire a cômoda fala da conveniência, antes que o medo me assalte mais uma vez e eu , de refém, passe a vítima, sem voz e sem vez.
hristina Ferraz Musse
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