Pequenos grandes homens e mulheres
Por Christina Ferraz Musse
Eles estão por toda a parte, mas a gente nem sempre se dá conta deles. Nem sempre tem vontade, cuidado, tempo, para falar daquelas pessoas quase anônimas, que nos fazem mais felizes. São pessoas realmente iluminadas, que inundam a vida da gente de carinho e alegria, sem esperar nada de muito especial. Talvez, simplesmente, aquela palavrinha mágica: obrigada!
Na infância, fui cercada por vários anjos da guarda. É lógico que não conseguiria aqui lembrar-me de todos. Mas alguns têm lugar cativo na memória. A Almerinda, antiga babá do meu pai... Uma negra alta, farta, que fazia cajuzinhos como ninguém e passava as tardes, na velha casa de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, a costurar retalhos, fazendo belíssinas colchas de patchwork ( que ela nem sabia que a gente chamava assim ). A boa Almerinda tinha uma casinha lá no subúrbio, um lugar muito longe, aonde eu só fui uma vez. Na verdade, ela ficava mais tempo nas casas das antigas crianças, que ela tinha ajudado a criar, e que, naquele momento, já eram adultos e tinham filhos. Não sei o que aconteceu com a Almerinda. Acho que virou estrela e mora no céu.
E tinha o Vieira...e o Cutinga. O Vieira nos levava a passear de charrete, quando vínhamos de férias do Rio para Juiz de Fora. Ele tinha uma paciência sem limites, passeando pelas velhas estradas de chão da Fazenda da Floresta, contando para nós os segredos das matas, dos cafezais, dos açudes. Já o Cutinga nos levava para caçar, quando caçar não parecia tão criminoso assim. Raramente, cruzávamos com uma paca ou tatu, mas aquela sensação da gente se embrenhar na mata, à noite, como gente grande, era mesmo impagável!
Mais tarde, quando eu já não era mais criança e já tinha até os meus bebês, eu tive a companhia de um anjo especial: a Manoela. Baixinha, nascida lá para os lados de Goianá, mãe de muitos filhos e avó de muitos netos, era a "dormideira" mais disputada de Juiz de Fora ( será que ainda existem dormideiras? ). Manoela tinha espírito de criança, adorava brincar e só se preocupava mesmo com o Zequinha, o grande amor da vida dela, que tinha diabetes e ela cuidava com o maior zelo, com muita fruta, verdura, legume e doses imensuráveis de amor. Não tinha bebê, que resistisse aos encantos da Manoela. A fala mansa não fazia apenas parar o choro forte, a dor de barriga, o mal estar. Manoela cuidava da família inteira, era mensageira da paz.
Hoje em dia, no prédio onde moro, tem o Sebastião. Ele trabalha no turno da noite, cria filhos e netos, tem uma vida espinhosa, mas, nunca, nunca mesmo, deixa de sorrir, de ter um dedo de prosa para contar. E olha que o Sebastião ainda faz alguns bicos de dia, porque o trabalho de porteiro sozinho não dá. Sebastião sempre me dá lições de vida. Ele tem o jeito manso das pessoas que são eternamente boas, puras, essenciais. Personagens que iluminam o nosso dia-a-dia, que sabem tudo, mesmo tendo tão pouco tempo de educação formal.
Poderia enumerar dezenas, centenas de pequenos grandes homens e mulheres que fazem parte da minha vida. São eles que dão um sentido maior a tudo e que me revelam, diariamente, os mistérios e os possíveis sentidos da existência.
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