O inferno são os outros
Por Christina Ferraz Musse
A frase não é minha. É de Sartre, o grande filósofo francês, que anda meio esquecido nos meios intelectuais, pelo menos nessas paradas tupiniquins. E quem resgatou Sartre à minha memória foi o jornalista Roberto Pompeu de Toledo, da Veja, num ensaio publicado há pouco. O ensaio tentava explicar as mazelas dos brasileiros em Sidney, na Austrália ( se não fossem os outros, os adversários, não teríamos problemas para ganhar medalhas... ). Mas o sentido da frase é muito mais amplo. Afinal, o homem, este ser social, tem a maior dificuldade para lidar com os seus semelhantes, não é mesmo? O jornalista juizforano Fabiano Moreira bem lembrava, numa reportagem do jornal Tribuna de Minas, o desafio diário para a gente conviver com vizinhos, que têm hábitos, para nós, às vezes, insuportáveis. Desculpem-me os pagodeiros, mas têm aqueles que só ouvem o seu sonzinho às alturas. Pior ainda é quando somos obrigados a conviver com o som ao vivo do bar do vizinho, que, além do repertório de dar arrepios, nos brinda com um intérprete que deixaria qualquer mortal totalmente desesperado! Isto sem falar nos terrenos baldios cheios de entulho, nas moscas, em gente que joga o lixo pela janela, naqueles que põem fogo no seu terreno etc. e tal.
Vizinhos à parte, conviver com os outros não é fácil. Sou professora e sei o que é entrar numa sala de aula e anunciar para a turma que o próximo trabalho, valendo nota, será em grupo ( se for prova, ainda vá lá... ). E quando a gente é convocada para uma daquelas intermináveis reuniões com uma pauta quilométrica? Nem gosto de pensar. E quando o trabalho diário é em equipe? Lembro-me bem de um episódio que me ocorreu, quando ainda era repórter da TV Globo de Juiz de Fora. Fazia uma matéria no presídio de Santa Terezinha. Estava conversando com aqueles presos que participaram do sequestro da rua das Margaridas: Leitão, Popó e cia. Numa certa altura, cansada de pedir ao repórter cinematográfico para gravar, exaurida pela correria e sem qualquer paciência no meu pobre espírito, comecei a chorar. Chorei mesmo, de cansaço, de raiva, de vontade de estar em outro lugar com uma equipe mais rápida, mais solícita, mais companheira. E não é que, naquele momento, para o meu espanto ( e o de todo o resto! ), o Leitão, detento perigoso, autor de homicídios, começou a me consolar, dizendo que a vida era assim mesmo, que eu tinha que ter paciência naquela profissão...
Enfim, acho que este é o segredo. Bom humor, espírito desarmado, um jeito meio Pollyanna de ser ( vendo sempre o lado bom das coisas... ). Assim, a gente vive em grupo! Acho impagáveis aquelas pessoas que sabem rir nas situações mais difíceis, que sabem brincar com o seu próprio sufoco, para relaxar, tomar fôlego e continuar. Admiro essas pessoas, porque, por mais simples que seja viver sozinho ( será? ), é muito mais divertido compartilhar. É o caso de você fazer aquela viagem e não ter para quem contar; comprar aquele vestido e não ter para quem mostrar; estar mais linda do que nunca e não ter ninguém para elogiar!
Tenho certeza de que viver em grupo é complicado: aceitar as diferenças, saber a hora certa de falar aquelas verdades que sempre dóem, ter boa-vontade com a limitações alheias, ser solidária mesmo quando o outro tem gostos tão diferentes dos seus. Acredito que tudo isso: saber conviver, dividir, ser cúmplice é exemplo de sabedoria. Penso que aqueles que descobrem o segredo da convivência, multiplicam suas alegrias e descobrem a verdadeira felicidade. Afinal, nem todos temos vocação para eremita, não é mesmo? Pois é, o céu pode ser aqui.
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