Antes que acabe
Por Christina Ferraz Musse
No Rio de Janeiro, surgiu recentemente a Confraria do "Antes que acabe". Eu explico melhor. Um grupo de amigos resolveu se juntar para prestigiar aqueles pontos do Rio - bares, restaurantes, teatros, galerias - que contam muito da história da cidade mas que, vez por outra, podem estar ameaçados pelas mudanças de hábitos, a criação de novos points - efêmeros como o mundo de hoje - , a trivial mudança de dono ou de endereço etc e tal. Pensei que, se tivesse condições, faria parte da turma. E trataria não apenas de prestigiar, mas também de defender os pontos da cidade que têm tudo a ver com ela. Acho que esta postura deveria ser defendida não apenas em relação aos bares e restaurantes, mas também aos prédios, praças, teatros, cinemas, bairros...
Em Juiz de Fora, eu trataria rapidamente de colocar em prática uma política de preservação da periferia, alvo das invasões desordenadas, loteamentos clandestinos, desmatamentos, queimadas ( não é à toa que a temperatura da cidade subiu tanto nos últimos anos... ). E faria uma campanha urgente de revitalização do centro, remodelando a sinalização das ruas, as placas das lojas comerciais, disciplinando o tráfego, humanizando o convívio daqueles que se esbarram pelas calçadas. Mais do que isso. Eu trataria de manter intacto o espírito único ( e múltiplo ) de Juiz de Fora, imortalizado por Pedro Nava, Raquel Jardim, Murilo Mendes. Espírito que vaga pelas telas de Dnar Rocha, Carlos Bracher, Ruy Merheb, Arlindo Daibert. E que, hoje, povoa o imaginário de novos artesãos como José Santos, Rogério Terra, Marcos Pimentel, Alexis Parrot... Um espírito meio ambíguo ( será ? ) , um jeito "gauche" de ser? Afinal, a cidade que, no mapa, pertence a Minas, volta e meia se debate entre o "rumo do mato dentro" e a "direção do oceano afora", como bem observa Pedro Nava, na primeira página do seu "Baú de Ossos".
Não sou daqui, sou "estrangeira", mas amo a cidade e o seu povo. Lembro-me das referências familiares aos passeios de bonde, ao "footing" na rua Halfeld, às matinês do Cine-Theatro Central, aos bailes de Carnaval do Clube Juiz de Fora.
Quando era pequena, vinha à cidade para rever os parentes e ficava hospedada na rua Braz Bernardino, que era um verdadeiro primor, com suas casas e jardins. Lembro-me dos sorvetes de frutas na Sorveteria Oásis, do cineminha no Palace, das compras na fábrica das meias Long Life, dos jantares no Brasão e das "domingueiras" nos clubes da cidade. Já quase adulta, não consigo me esquecer da Sorveteria Apolo, do velho Bar Redentor, do coquinho do Gaudêncio, dos bailes de formatura, dos ensaios para os desfiles de Carnaval, na quadra da Juventude Imperial. E olha que eu nem morava aqui... Algumas dessas imagens são só lembranças e vão continuar assim, intocadas, na memória. Outras persistem como coisa concreta, palpável e que eu espero poder usufruir durante muitos e muitos anos.
Acho que todos nós deveríamos fazer uma lista daquilo que consideramos patrimônio inalienável da cidade e lutar para que seja preservado, hoje e sempre. É uma boa forma de combater o bom combate.
Comentários