Aprender a ouvir
Por Christina Ferraz Musse
Vivemos numa sociedade que fala muito, às vezes demais. A ânsia de falar, de dizer, de contar, de se expressar, de se comunicar é uma constante na vida das pessoas. Mas será que elas se comunicam, de fato? A comunicação pressupõe troca: existe alguém que fala alguma coisa para alguém que ouve. Pelo menos, deveria ser assim. Excetuando-se aqueles tipos que falam sozinhos em qualquer lugar, não só no banheiro, até mesmo na rua, a maior parte das pessoas fala com a intenção de ser ouvida. Mas, na minha impressão, cada vez temos menos ouvintes, isto é, pessoas com capacidade de ouvir e de se comunicar.
O cronista Rubem Alves, com sua sempre tão presente sabedoria, diz que "é na escuta que o amor começa". Porque o amor precisa da troca, da complementação, da diferença, do pleno e do vazio, do "côncavo e do convexo" da música do Roberto Carlos, da fala e da escuta. O escritor vai mais além e descreve a fala como masculina e a escuta como feminina. Ele compara a fala ao "sêmen, semente, penetração, ejaculação". Já o ouvir, segundo Rubem Alves, é feminino. "A semente, para germinar, precisa de um buraco de terra que a acolha". Enquanto a fala é rápida, acontece num momento, a escuta, feminina, demanda tempo e silêncio.
Existe, hoje, coisa mais rara que o silêncio? Durante o dia inteiro, somos bombardeados pelo barulho. Música no rádio, entrevista na tevê, buzina, campainha, celular. Todos falando ao mesmo tempo, agora. Você também. Falando sem parar, "rapidinho", como argumentam os adolescentes. Sem parar, sem pensar, sem respirar. Sem dar espaço para a pausa, o silêncio, a escuta. É como se tivéssemos que preencher todos os espaços, não deixando nunca lacunas, questões, dúvidas. É como se tivéssemos que nos provar o tempo todo ter controle sobre tudo e escamotear as nossas inseguranças. A fala envolve poder. Todos querem falar. A fala garante visibilidade, espaço nos jornais, segundos preciosos nos meios audiovisuais.
Recentemente, alguns conhecidos reclamavam comigo sobre a atual postura dos repórteres em entrevistas coletivas. Diziam eles que, principalmente, os repórteres de televisão não davam mais tempo suficiente para que os entrevistados desenvolvessem suas idéias, completassem um pensamento. Mal o entrevistado começava a responder uma pergunta, o repórter já concluía a resposta, direcionando-a inclusive para aquilo que aquele repórter e sua audiência esperavam ouvir. Não tenho a menor dúvida de que bom repórter tem que ser, antes de tudo, bom ouvinte. Tem que saber escutar uma história, uma denúncia, para, depois, selecionar aquilo que ele, como profissional, irá contar, já que vai atuar como um intermediário na transmissão da informação, com o objetivo de facilitar o entendimento do assunto e, não, deturpá-lo.
O intelectual e escritor Pierre Bourdieu vai mais longe, quando analisa o comportamento dos nossos veículos de comunicação de massa. Ele diz que, hoje, a televisão tem predileção por aqueles entrevistados que ele chama de "fast thinkers", isto é, aqueles que pensam rápido, muito rápido, e conseguem dizer tudo sempre em menos de quinze segundos. Resultado: nunca há tempo para a troca, a argumentação, o intercâmbio de idéias, o que me lembra muito os últimos debates eleitorais pela tevê, tão cheios de regras, tão cheios de réplicas e tréplicas cronometradas que perderam totalmente a graça.
A pessoa é convidada a dar uma entrevista, desenvolver um tema, falar para que alguém a ouça, concorde ou discorde de suas idéias, mas os entrevistadores não dão o menor tempo para que ela desenvolva um raciocínio com início, meio e fim. Eles interrompem o tempo todo, porque eles também querem falar e, não, escutar. Não é à toa que, no Brasil, é sempre difícil o relacionamento entre o meio acadêmico e a mídia. O pesquisador passa a vida inteira no laboratório, querendo comprovar uma hipótese. Chega o repórter e quer que ele resuma em trinta segundos toda aquela história. Pode não ser uma missão impossível, mas que é complicado, é.
Talvez tenhamos que reaprender a ouvir. Aliás, tenho certeza disso. Sou mãe e, diariamente, vejo como um simples almoço vira uma verdadeira babel com todas as crianças querendo falar ao mesmo tempo, à mesa. Ninguém quer ouvir. Todos estão tão preocupados com suas próprias histórias, tão absorvidos em seu próprio mundinho, que perderam a capacidade de ouvir. Na sala de aula, é a mesma coisa. A cada novo ano, meus alunos se mostram mais tagarelas. Isto tem um lado bom? Afinal, eles poderiam estar falando sobre a matéria lecionada, questionando, complementando o raciocínio? Não. O que vejo, cada vez com mais frequência, na sala de aula, não são diálogos, mas monólogos. Todos se atropelando, ninguém com paciência de ouvir o colega, escutar o professor, ou, simplesmente, deixar fluir o silêncio, que, se serve para sedimentar as idéias, colocá-las no lugar, também pode abrir o espaço para o surgimento das grandes questões, que desafiam o "status quo" e nos impelem, pela dúvida, aos grandes questionamentos e às novas descobertas.
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