Árvores que eu amo
Há algumas semanas, viajei para Tiradentes, cidade histórica que mais se parece com um pequeno presépio, docemente assentado sobre as montanhas de Minas, em especial, a serra de São José. As ladeiras, as igrejas, as casas... Tudo parece intacto, apesar do constante burburinho dos turistas. Desta vez, mais do que em outras, a cidade me chamou a atenção, não só pelos novos restaurantes, pousadas e ateliês, mas pela graça das paineiras em flor, que emolduravam aquele cenário com a leveza que só têm aqueles que já possuem muitos e muitos anos de história...
As paineiras povoam minhas memórias e meus sonhos. Quando eu era criança, dormia em travesseiro de paina, que é o fruto da paineira e se parece com um tipo de algodão. Minha avó cuidava de meus travesseiros e eles me pareciam únicos e especiais, na sua tarefa de zelar por meu sono. Hoje, acho que só quem já tem mais de quarenta anos e, portanto, já dobrou o Cabo da Boa Esperança, conhece a paina e o que é dormir sobre ela. Não há qualquer dúvida de que a sensação é totalmente diferente daquela de se dormir num travesseiro de espuma, este produto meio aparentado do petróleo, o que já o faz impessoal e tecnológico, portanto, sem qualquer poesia.
As paineiras são árvores sólidas, imponentes. Quanto mais velhas, mais parecem belas, com aquele ar de quem tem algo de realeza. Por isso, elas se destacam tanto nas cidades antigas, onde permanecem como testemunhas da história. No quintal das casas, no adro das igrejas, onde quer que exista espaço, elas crescem, soberanas. À sua sombra, a vida parece mais bela, o tempo menos escasso, os problemas têm solução e todos os amores são possíveis.
Às vezes, no meio do verde da mata, meus olhos descobrem a beleza de uma copa rosa, cheia de flores delicadas, que contrastam com a aspereza do caule: é uma paineira! E esta pequena descoberta me faz feliz, porque me sinto abençoada pela emoção de compartilhar da beleza daquele momento, de viver aquela sensação. Outras vezes, são as pequenas mudas que planto que dão flor pela primeira vez e fazem me sentir responsável, para sempre, por aquele novo ser. ( Este ano, ao ver as primeiras flores dos flamboyants e paineiras que há muito plantei, não aguentei, beijei as árvores, para o espanto dos meus filhos, que, de pronto, me consideraram levemente enlouquecida! )
Não tenho dúvidas de que aprender a olhar e saber ver é um dom ou um talento, que precisamos cultivar. Alguns chegam a cultivá-lo a tal ponto que acabam até mesmo por pecar, desejando o alheio. Dia desses, um professor conversava comigo sobre manacás. Ele é um apaixonado pelo arbusto delicado, capaz de gerar lindas flores. Plantou um no seu quintal, mas, para surpresa dele, o manacá desapareceu, foi roubado, o que mostra que planta também pode despertar olho grande e muitos desejos...
Perto do meu sítio, o alvo são as bromélias, que crescem livremente, e volta e meia atraem ladrões. Isso mesmo, ladrões de bromélias, já que as plantas ornamentais viraram objeto do desejo de muito consumidor ( e custam caro, quer dizer, dão lucro! ). Aí, o problema já é a ganância, o espírito comercial, a falta de fiscalização, que faz com que, no Brasil, tudo que é proibido continue sendo feito e não tendo punição (ou educação ).
De qualquer forma, plantas e até mesmo árvores são alvo do desejo e da disputa. Não duvido da sua magia, do poder que a visão de uma quaresmeira em flor, de um fedegoso, um mulungu, ou um ipê pode ter sobre um simples mortal. Desde cedo, apaixonei-me pelos nomes exóticos dessas árvores que me foram apresentadas por meu pai, que sabia ver e contaminava a todos com sua visão do belo. Hoje, ao lado de jovens, que são meus alunos, procuro falar sobre este tipo de beleza, às vezes fugaz, mas tão indispensável àqueles que procuram um diferencial ou um momento único de beleza, na correria e na mesmice do dia-a-dia. Acho que, assim, nos tornamos mais plenos e mais felizes.
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