Céus de maio
Por Christina Ferraz Musse
Maio é um dos meus meses prediletos. O céu é muito azul, intensamente, infinitamente azul. Dá vontade de mergulhar nele e sair não sei aonde, talvez do outro lado do universo, que pode até não ser tão belo, mas será que tem mais poesia? Maio antecipa a chegada do frio, mas é um frio ameno, que apenas aguça os sentidos e diz que é preciso ter mais calma para degustar cada momento da vida. Acho que ficamos mais propensos a intimidades, a falar mais baixo, a querer mais aconchego, a procurar aquele canto da casa que ainda guarda uma velha poltrona e, nela, deliciosamente instalados, lermos um livro. Ah! Um livro, um cheiro de café forte, um licor, ou um Porto... Bons companheiros para uma época em que somos dados a reflexões, a silêncios, a encontros com nós mesmos...
Lembro-me sempre da infância. Vinha do Rio para Minas, passar uma temporada na fazenda da Floresta, bem pertinho de Juiz de Fora. Papai nos levava para o pomar. Cada um tinha o seu canivete e ele se sentava com os filhos perto das laranjeiras, para que escolhêssemos uma das muitas variedades e pudéssemos sentir o prazer que é chupar fruta no pé. Confesso que nunca mais me esqueci da sensação gostosa que aqueles momentos me proporcionaram, como também confesso que nunca consegui aprender a cortar direito a casca de uma laranja, como também jamais aprendi a diferenciar uma laranja-pêra de uma laranja-bahia. Mas era maio e isso é que importava.
Mais tarde, já morando em Juiz de Fora e trabalhando como repórter, senti muitas e muitas vezes o prazer de amanhecer cedinho no alto do Morro do Imperador. O sol brilhando no céu, majestoso, o céu azul, imensamente azul, e a cidade escondida sob as nuvens brancas. As nuvens barrocas, gordas, fartas. As nuvens que convidavam a um salto mortal sobre a sua maciez. E o friozinho a se infiltrar pelas frestas da roupa. E o leve calor dos raios de sol a convidar a gente a ser meio lagartixa e ficar se espreguiçando ao sol...
E as noites límpidas, cheias, invadidas de estrelas. E as estrelas cadentes, cada uma, um pedido. E a certeza de que as noites mais longas também traziam segredos. Vontade de ficar enrolada num cobertor, na varanda, olhando o céu, e pensando... Pensando sem compromisso, que isso é pra lá de bom. Mais nova, ainda adolescente, ficávamos, eu, as primas e as amigas, a ouvir "Sentado à beira de um caminho", do Roberto e do Erasmo, na pequena vitrolinha vermelha, sonhando com grandes amores românticos. O Brasil mergulhado na ditadura e nós ali, feito princesas, a esperar pelo sapo que viraria príncipe. Não estávamos mais nos anos cinqüenta, mas ainda era moda a gente curtir uma "fossa", um amor acabado, um sonho interrompido, um desejo muito distante...
Maio para mim é tudo isso. Paz, luminosidade, poentes triunfais, avermelhados, que indicam o frio. Vontade de ir para um chalé, uma cabana, um lugar esquecido do mundo, onde a gente sente a vida de forma mais plena. Um tempo que antecipa a hibernação típica do inverno. Vontade de comer broa, dar uma "bicada" numa caninha, apreciar todos os mocotós, rabadas, feijoadas e cozidos, que têm o poder de enfeitiçar o paladar e todos os outros sentidos. Maio antecipa todos esses prazeres e anuncia outros mais. Vamos vivê-los, afinal, maio é outono, estação de mudança das folhas e de pequenas reformas íntimas das quais sempre escapamos.
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