Por Christina Ferraz Musse

O arranjo de flores no centro da mesa me dá notícias de mamãe. Ela sabe como poucos fazer de uma refeição um momento único, de grande prazer. Nada a ver com o nosso tempo veloz do fast food, em que o sabor e o prazer das coisas são esquecidos. Tudo a ver com uma postura de desfrutar a vida, saborear cada gole de vinho, cada garfada no arroz fresquinho, esperar a surpresa de um doce caseiro, sentir o aroma do cafezinho e arrematar tudo com um licor. Se não andássemos em tempos de caça às bruxas, eu ainda diria que é ótimo ter o tempo de sorver a fumaça do charuto ou cigarrilha e mergulhar num horizonte infinito, na memória da vida, na história que nos faz únicos e singulares.

Minha mãe é daquelas que usou guardanapos de linho, talheres de prata, taças de cristal. A vida dela mudou, como a de tantas outras mães, que viram a pressa invadir seus lares, os filhos a preferir comer em frente à televisão. Mas ela soube guardar aquelas pequenas delicadezas de outrora, mesmo se, hoje, o guardanapo é de papel, o talher de aço e a taça de vidro. Mesas mais elaboradas, só mesmo em dias de festa, quando ela se esmera em preparativos de mais de uma semana, escolhendo o cardápio mais saboroso, separando a louça que fica guardada, lavando todos os belos cristais ancestrais.

Todo mundo sabe que o melhor da festa é a espera, os momentos de ansiedade que acompanham a expectativa do encontro. Mamãe se prepara com cuidado. Ela não se preocupa muito com a roupa ou o penteado, mas a casa tem que estar perfeita, luzindo de tão limpa, com todas as suas pequenas preciosidades à vista dos convidados. O capricho maior é com o arranjo do centro de mesa. Podem ser frutas: mangas, laranjas, peras, maçãs, uvas, que virariam obra de arte nas telas de qualquer pintor. Podem ser hortências, as mais lindas, recém colhidas no jardim da casa, rodeadas por pequenos galhinhos de hera. No vaso do canto, quem sabe?, uma buganvília muito vermelha adorne a cômoda. Na lareira, haverá seixos de lenha, se a noite for fria. Tudo terá um toque de esmero, daquele cuidado das avós, tias-avós, bisavós...

No mundo que privilegia a velocidade, é preciso desacelerar. É mais do que necessário investir nos pequenos prazeres, que dão o grande diferencial da vida. Não gosto de festas faraônicas, organizadas em clubes impessoais, por buffets profissionais, onde tudo parece tão calculado, tão organizado... Nessas festas, tudo parece igual e a gente perde aquilo que é melhor: a celebração do encontro... Gosto de festa em casa, que tira dos armários a saudade enclausurada... Aquela confusão na cozinha, gente falando alto, crianças correndo pelos corredores... Festa com cadeiras, sofás, pessoas se ajeitando para conseguir mais um lugar... Festa em que falta um cinzeiro, em que a cerveja corre o risco até de acabar, em que as crianças acabam dormindo pelos cantos, mas festa que tem afeto de sobra, carinho que transborda, e em que a gente é feliz. Festa em que se celebra a família, o prazer de estar junto, sem pressa. Como é bom...

Mamãe sempre soube fazer festas assim e nunca se cansou, nem reclamou do cansaço, da correria ou da agitação. Nunca quis apenas simplificar. Na sua vida de dona-de-casa de classe média, ela soube cultivar o requinte maior da educação, do afeto, do carinho. Podia até ter endurecido e se transformado em mais uma senhora de meia-idade ranzinza e reclamona. Mas é uma dama, quando abre seus salões, e com um savoir faire indiscutível, vira princesa, rainha, imperatriz. Ali, sob a sua batuta, seu cuidado e esmero, tudo ganha um brilho especial. Ela se transforma na dona da história, na escritora de um roteiro com um desejado happy end. Num mundo que exige que todos estejam ligados o tempo todo, em que sonhar virou coisa suspeita e o prazer é até visto como alienação, é bom saber que a gente ainda pode ser personagem de um bom filme água com açúcar, sem grandes pretensões a não ser aquela de ser feliz.

Christina Ferraz Musse