Por Christina Ferraz Musse

O Brasil é um dos países em que mais se faz cirurgia plástica no mundo.  Exportamos know how na área e conseguimosaté mesmo o difícil reconhecimento internacional.  Mudamos o corpo ao nosso bel prazer, ou melhor, conforme as últimas tendências da moda.  Houve época em que toda mulher perseguia o formato do nariz arrebitado, depois, surgiu a onda de se diminuir o tamanho dos seios, agora contrariada pela tendência de toda brasileira querer se parecer com uma play-mate americana, inflando o busto sem piedade.  

Não tenho nada contra a evolução da medicina, que hoje nos proporciona tantas opções de rosto, pernas e pés.  Simplesmente acho que nem sempre mudar de cara, como mudar de roupa, pode atenuar nossa angústia em relação ao tempo e à certeza da morte.  Fico pensando em todas aquelas pessoas estampadas nas páginas de Caras, aprisionadas em seus sorrisos estáticos.  Em qualquer situação da existência, mesmo depois de perdas afetivas que deveriam provocar, no mínimo, olheiras, todos estão lá, sempre sorrindo, e de forma a não aumentar nenhuma ruga.  A vida daquelas pessoas parece se desenrolar num palco, em que não sobrou nenhuma humanidade.

Esta semana, assistindo a um vídeo alemão sobre parto natural, flagrei-me pensando na nossa postura hipócrita de fingir não sentir dor, nossa tendência a tentar anestesiar sentimentos, medos, dúvidas.  Olhava aquelas mulheres, ao lado de seus companheiros, tentando simplesmente parir, mas tendo que enfrentar a espera e a dor, que de alguma forma parecem ser ingredientes necessários ao desfrute do prazer.  Não me imaginem como uma masoquista, mas acho que temos que abrir espaço para a dor.  Só vivendo intensamente a dor, vivemos integralmente a nossa condição de humanos.

Sou igualmente favorável a sabermos apreciar as mudanças que o tempo esculpe na nossa face, no nosso corpo.  Não que isso seja fácil, já que eu mesma reconheço me render às exigências da balança e sei que provavelmente um dia não hesitarei em fazer algum retoque no rosto.  Mas só não aceito que isto se torne uma ditadura, como acontece hoje, porque acredito que a gente não consegue fazer plástica na alma.  Bom, nem sei se cientificamente posso dizer isto, será que isto é possível?

Recentemente, no consultório do ginecologista, falei do meu estado de espírito: nervosa, desanimada, cansada... Aí veio o veredicto: você está no climatério e já é hora de tomar hormônios. O médico, que é também um grande amigo, se antecipou em me falar sobre os benefícios que eu iria sentir e me avisou: “Christina, você não vai acreditar que tanto desconforto possa se resolver apenas com uma alteração bioquímica!” Pois não é que ele tinha razão!!!  Os hormônios me atenuaram o desconforto e resgataram um bem-estar que há meses eu não sentia, mas será que é só isso?  Ainda sou daquelas que, mesmo sem acreditar muito em céu e inferno, e saber que a minha razão sempre procura se sobrepor à emoção, ainda sonho com um ser humano mais completo, mais holístico, mais surpreendente e imprevisível.  Em outras palavras, prefiro acreditar que a técnica não vai vencer todos os games da partida e que a emoção possa operar até milagres!

Não quero encabeçar nenhum abaixo-assinado contra a beleza ou a procura do belo.  Apenas acredito que é muito bom quando a gente consegue entender a profundidade da frase que eu leio na folhinha do receituário da dermatologista: “é preciso muito tempo para se tornar jovem”.  Descobri depois que o autor da frase é Picasso, um homem de vitalidade inesgotável, seja nas artes, ou nos afetos.  Um homem que passou a vida se reinventando, sem ter que necessariamente viver se remendando.  Um homem pleno, na sua alegria e na sua dor.  Um homem sorridente, apesar dos anos.  Não gosto muito de exemplos e nem estou mais na fase de ter ídolos, mas não consigo parar de admirar poetas, pintores, atores, bailarinos.  Gente que ao menos me parece viver a vida em toda a sua extensão, em todo o seu malabarismo, sem medo das quedas, da dor, dos riscos, fazendo de cada dia, de cada momento, um desafio.  Afinal, já dizia com toda a sabedoria o mineiro Guimarães Rosa, “o que a vida quer da gente é coragem”.